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JARDIM DA CASA AREIA

Bahia

texto Isabel Duprat

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O terreno já tinha toda beleza do mundo. Como fazer deste jardim um lugar integrado a tanta beleza natural? Há situações em que penso que o projeto deve desaparecer e que, por mais difícil que tenha sido o processo, deve resultar tão mimetizado com o lugar que, por isto, torna-se imperceptível. Não foi o que ocorreu com este jardim. Por alguma razão eu quis fazer o desenho e o pensamento mostrarem-se muito claros, ainda que muito delicados, e por isto em harmonia com a paisagem. As razões para estas escolhas em cada projeto são subjetivas e me pergunto como estas decisões acontecem. Como não sei explicá-las, penso que isto não importa.

 

A certeza era que seria um jardim na areia, muita areia abrindo passagem entre grandes canteiros baixos formando blocos de cor, como um grande mosaico, massas de luz e sombra se entrelaçando como ondas que vislumbram o mar entre pequenas aberturas.

 

A casa projetada por Marcio Kogan, caixas de concreto justapostas sob uma grande pérgola esparramada, convive com as belas almescas existentes exalando perfume de sua seiva, que foram cuidadosamente preservadas na locação da casa que fizemos em conjunto. Todos os espaços se voltam ao nordeste frente a uma das mais bonitas de nossas praias, para um belo pedaço de restinga ponteado com árvores nativas às quais incorporei outras mais em pontos onde a sombra seria bem-vinda.  Antes que a construção iniciasse, e fosse possível o acesso de maquinário, plantamos  90 árvores, algumas de bom porte, como semaneia (Samanea saman), jacarandá-da-baía (Dalbergia nigra), pau-brasil (Paubrasilia echinata), Pithecellobium, cainito (Chrysophyllum cainito), monguba (Pachira aquatica), goiabão (Eugenia leitonni), mangueira, algodão-da-praia (Hibiscus tiliaceus), fruta-pão (Artocarpus altilis), Clusias grandiflora, jambo (Syzygium jambos) para deixar o chão cor de rosa e outras tantas árvores, muitos coqueiros junto à futura piscina, que ficou à beira de um preguiçoso cajueiro. Estas árvores e palmeiras foram se adaptando ao terreno e cuidadosamente protegidas e cuidadas enquanto a casa era erguida.

 

Com as novas árvores adquirindo intimidade com a nova morada, fui dando forma à minha primeira inspiração. E comecei a esparramar sem pudor pela areia, sob suas copas leves grandes canteiros de Sansevierias de diferentes espécies, alturas, formas, matizes pintando o chão com manchas de tons de verde e amarelo, bromélias de cor cítrica, ananás, neomaricas e cactáceas com a resistência necessária para viver a beira-mar e ao sol.

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Experimentei com exagero a cadência forte, gráfica e luminosa destas plantas que se juntaram à vegetação de restinga nativa com inúmeras pequenas palmeiras uricuris (Syagurus coronata) e caxandós (Allagoptera arenaria).

 

Junto às divisas, alpinias, heliconias, bastão-do-imperador (Etlingera elatior), Megaskepasmas oferecendo suas flores exageradamente tropicais junto a grupos de pitangas (Eugenia uniflora), romãs (Punica granatum), cabeludinhas (Plinia glomerata), grumixamas (Eugenia brasiliensis) e uva-de-praia (Coccoloba uvifera).

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Frente à estrada de terra, dissimulando a cerca, fiz uma continuação da mata da outra margem, com pitombas (Talisia esculenta), Cassias, guanandi (Calophyllum brasiliense) e gabirobas.

 

A chegada na casa é feita pelo jardim frontal junto à via local, com uma largura bem menor que o jardim frente ao mar, oferecendo uma sombra que já estava lá, e por ser uma área mais protegida do vento do mar, adquiriu aqui características bem distintas. Abusei das palmeiras de troncos luminosos, das samambaias, Calatheas, Philodendrons, recebendo com uma vegetação luxuriante a chegada à casa, e Musas, Strelitzia augusta, palmeiras entouceiradas, fazendo o fechamento da cerca frontal.

 

Para os caminhos, elegi o arenito branco para mimetizar com a cor e textura da areia e fazer também degraus de acesso à casa e o envoltório da piscina.

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Ao passar pela pérgola deixando para trás este jardim mais fechado, com meandros a decifrar, se tem a surpresa de chegar a um jardim inteiramente descortinado, que se percebe por inteiro, como que um preparo para receber o mar aberto. Aos poucos vai se percebendo as suas nuances, sem pressa.

 

Tudo isto feito me recordo da primeira reunião com o cliente que se tornou um parceiro adorável de trabalho, quando ele me mostrou um vídeo de um jardim que havia feito em sua casa na Provence que acabara de vender. O jardim era lindo, impecável. Estava claro que a expectativa com este projeto na praia seria grande.

 

O processo foi intenso e gratificante. Muitas idas ao terreno, sim, muito esforço físico também, trazendo  uma  compreensão  cada vez mais afinada do lugar,  muitas trocas de ideias com o cliente que já quase habitava ali e à medida que eu desenhava os canteiros, com a vivência do espaço que ele estava experimentando, a areia foi ganhando mais espaço, se juntando com a areia da praia e o azul luminoso do mar aparecendo um pouco mais.

 

Foi um trabalho feliz!

Pá_transp_inclinada.png
Plantas original transp.png
Lapiseira transp inclinado2.png

Colaboração e coordenação arquiteta Nathalia Fonseca

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Área de intervenção 5500 m²

Projeto e execução 2015 - 2019

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AD Architectural Digest Mexico, março 2021

Wallpaper 246, setembro 2019

Casa Vogue 424, dezembro 2020

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