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JARDIM EM IBIZA

Ibiza, Espanha

texto Isabel Duprat

A primeira visita a Ibiza, no início do verão de 2018, foi carregada de expectativa. O mar colorido de turquesa e esmeralda lá embaixo, as salinas se aproximando, e a chegada a esta ilha mítica, pareciam corresponder ao meu imaginário. Quando saímos do aeroporto, no entanto, envolvidos em um trânsito intricado, rotatórias, vias expressas e viadutos para qualquer direção que se tomasse, com muitos prédios e predinhos, senti um desconforto, aquele que se tem quando chegamos a um lugar que não é bem o esperado. A chegada por mar deve ser mais amena, mais simpática. O fato de estarmos a trabalho e não a passeio ajudou a digerir o mixed feelings enquanto nos situávamos seguindo as placas em catalão e espanhol, dado que o GPS não dava conta de nos levar.

À medida que vai se afastando de Eivissa, que contém a bela área antiga da cidade murada, em direção a sudoeste, onde se localiza a propriedade que iríamos conhecer, a estrada começa a serpentear por uma paisagem pedregosa, por terrenos terraceados, patamares com muros de pedra, muitas coníferas e vistas ao mediterrâneo colorido de azuis. Ibiza é para ser descoberta. Cada um tem de achar a sua turma e a sua praia, o seu silêncio ou a sua festa, o seu canto escondido entre as infinitas baías e reentrâncias do relevo escarpado. 

A cada ida fomos nos entendendo e apreciando esta ilha situada entre a costa “lenvantina“ peninsular e o norte da África, e  que junto com Mallorca, Minorca, Formentera e outras ilhotas, formam o arquipélago das Ilhas Baleares. Sua estratégica posição atraiu inúmeros povos visitantes ao longo dos séculos, trazendo e deixando suas marcas e reminiscências entre os fenícios, cartagineses, romanos, bizantinos e árabes.

Ibiza e Formentera possuem uma importante fauna e flora endêmicas e são conhecidas como ilhas Pitiusas, pela quantidade de pinheiros que revestem seu relevo. Entre as duas ilhas, uma vasta padrera, um prado de Possidonia oceanica, uma planta aquática que dá a bela cor destas águas, foi declarado oficialmente Patrimônio da Humanidade.

Ibiza está ao sul das Ilhas Baleares. O clima é quente, seco, especialmente no verão. A temperatura varia entre 8 e 29°C com temperatura media de 18°C ao longo do ano. O mês mais chuvoso é novembro. Mas chove muito pouco ao longo do ano, em torno de 400 mm.

O terreno de 3,3 hectares no qual faríamos o nosso projeto está em San José, o maior município de Ibiza, com importantes áreas de reservas naturais.

Algumas almendras e oliveiras se espalhavam pelo terreno, muitas coníferas, como as sabinas e Juniperus oxycedrus, e uma bela ceratonia. 

O projeto de Marcio Kogan, de duas casas, “upper and lower house”, seus anexos e piscinas, além de uma piscina semiolímpica, já estavam com a construção bastante avançada. As casas de dois clientes distintos deveriam ter sua privacidade garantida, assim que a circulação e a vegetação deveriam promover este requisito.

A propriedade, como tantas que vimos no trajeto, tinha no passado sido terraceada com muretas de pedra para a prática da agricultura.

Devido à mobilização intensa do terreno em função das fundações e demais instalações da obra, praticamente toda a terra de melhor qualidade que fazia a cobertura dos terraços das antigas plantações e, portanto, acumulava uma fina camada de matéria vegetal ao longo do tempo, e já cobertas com vegetação nativa, havia sido em grande parte removida deixando um solo inerte a ser recuperado. Ou seja, um grande problema.

Deparo-me muito com esta situação, do terreno sofrer muita alteração durante a obra civil. Quanto maior o terreno, mais a obra avança, mais esparrama e mais destrói. As áreas onde as intervenções não vão ocorrer deveriam sempre ser preservadas com a organização do canteiro de obras e da circulação da própria construção porque esta movimentação, além de compactar o solo, invade todo o terreno e adjacências contaminando com sujeira, entulho e restos de materiais.

O custo e a dificuldade de recuperação posterior é enorme, sendo necessário, inclusive como neste caso ocorreu, irrigar áreas onde outrora havia vegetação nativa, para que com adubação e semeadura se recuperem,  o que vai levar muito tempo.

Embora as construções já estivessem implantadas, a circulação toda não estava definida, quer sejam as de pedestre como do automóvel.

Quando o projeto de paisagismo inicia juntamente com a arquitetura na fase de locação e implantação das construções, a contribuição para um resultado harmônico com o terreno é muito mais efetiva. É inegável que o olhar do paisagista contém uma percepção aprimorada do terreno e seu entorno e se afina com a escala do tamanho do céu, como gosto de pensar.

Nosso primeiro trabalho foi fazer o estudo dos acessos de toda a área às avessas, uma vez que tínhamos que ligar pontos, cotas e lugares já estabelecidos em um terreno bastante acidentado e com isto prever as contenções com muros para a preservação do solo e a viabilização dos próprios acessos, tentando o quanto possível conectar com os antigos muros que ainda existiam.

Estudamos os caminhos de pedestre com escadas e patamares, ziguezagueando o terreno no compasso mais agradável possível para caminhar. A única escada que encontramos já na alvenaria para acessar uma das casas, tivemos que redesenhá-la para que harmonizasse com o terreno e com a própria arquitetura.

Usamos como material para os muros e caminhos de pedestre que conectam as construções as pedras do próprio terreno que haviam sido removidas e, para os degraus, blocos da mesma pedra, que completamos com as da região. Para os acessos de automóvel, pedrisco.

 

O solo calcário, o clima árido, ventos, abastecimento de água difícil em toda a ilha, onde os poços não são permitidos, para preservação do lençol freático, fazia com que o plantio fosse um tema difícil.

Precisávamos de árvores, pinheiros, arbustos e forrações que fossem muito resistentes a longos períodos de seca e apropriados para este solo. Ainda assim, teriam que ser regados até se adaptarem. Como a grama necessita ser irrigada sempre, seu uso foi reduzido a uma pequena área junto às casas principais e uma área maior no entorno da piscina olímpica, a pedido do cliente.

O que se seguiu foi uma ampla pesquisa de vegetação endêmica e nativa de Ibiza, com o desejo de recuperar o terreno com esta flora. Deparamo-nos com uma enorme dificuldade de conseguir mudas, ou porque não são produzidas ou porque a produção é muito pequena, e muito provavelmente porque não há mercado para estas plantas, muito embora grandes jardins sejam feitos na ilha. Plantas como, Cneorum tricotton, Hyperycum balearicum, Buxus balearico, Cistus nativo, Tymbra capitata, encontramos em pequenas quantidades e ainda assim foram muito difíceis de conseguir. Plantamos pinheiros nativos como Juniperus phoenicea. Das plantas endêmicas não encontramos Aspargos acutifolius, Bellis anua, Genista dorycnifolia, Salvia baleárica. Usamos também plantas mediterrâneas que pudessem ser resistentes a estas condições, já muito presentes na ilha, como Lentiscus pistaceas, Rosmarynus, sofhoras, teucrim, myrtus, arbusto unedo, entre outras.

 

Nossa vontade era fazer um jardim que com o passar do tempo fosse se mesclando com a vegetação espontânea e crescesse naturalmente, grandes massas de cores sinuosas que se transformam nas estações do ano.

Não podiam faltar as frutíferas, como o figo, a nêspera, limões, laranjas, romãs. E adicionamos almendras às já existentes, além de um bosque de oliveiras da espécie picual.

O plantio foi restringido a áreas junto às construções e ao longo dos caminhos, e áreas mais afastadas a serem recuperadas foram preparadas para receber semeadura com mistura de sementes para cobertura vegetal.

O acompanhamento da execução foi intenso através de visitas, WhatsApp, fotos, vídeos, croquis trocados com a equipe que executou o jardim, a Ecodisseny, empresa local de execução de jardins, que nos ajudou com o conhecimento da flora nativa nos apresentando novas plantas e na árdua busca pelas espécies que selecionamos.

Passados quatro anos do início do nosso projeto, começamos a ver o jardim acontecer, o jardim que imaginamos. Apesar de crescerem em um meio agressivo, as plantas nativas dessa região são de uma estética muito delicada, com flores pequeninas multicoloridas, com inúmeras texturas e tons de verde que rastejam entre as pedras das encostas e sob a proteção e permissividade das pitiusas, florestas de pinheiros nativos. Expressamos aqui o desejo de que mais e mais sejam reproduzidas essas plantas para que espalhem sua beleza povoando na ilha os novos jardins.

Pá_transp_inclinada.png
Plantas original transp.png
Lapiseira transp inclinado2.png

Colaboração e coordenação Arquiteta Nathalia Fonseca

Área  33.000 m²

Projeto e execução 2018 - 2021

Artravel Magazine 106, 2023

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